A PRESENÇA DO NASCIMENTO DO FADO NA OBRA SARGENTO DE MILICIAS
FERNANDO HÉLIO TAVARES DE BARROS[1]
RESUMO: Memórias de um Sargento de Milicias se constituie o objeto de analise deste artigo que refletirá a presença do fado ritmo português na obra relacionando-a com a atual figura do Fado nas terras portuguesas. Apoiado nas leituras teóricas de ciências sócias e teoria literaria que trabalham com a questão do Fado como patrimônio cultural, como parte integrante da cultura luso-brasileira, da presença do fado na obra de Almeida se configurando ritmo presente no século XIX na sociedade carioca.
Palavras-chave: Fado, origem, cultura, lusobrasilidade
RESUMEN: Memorias de um sargento de Milicias se constituye el objeto de analisis de este articulo que refleritá la presencia del Fado português em la obra relacionandola com la atual imagen del Fado en las tierras portuguesas. Apoyado em las lecturas teóricas de ciências sociales y teoria de la literatura que trabajan con la cuestión del fado como pratimonio cultural, como parte integrante de la cultura lusobrasileña, de la presencia del fado en la obra de Almeida configurandose ritmo presente en el siglo XIX en la sociedad carioca.
Palabras-llave: Fado, origen, cultura, lusobrasileñidad
Segundo a definição do dicionário[2], patrimônio significa herança paterna e bens de família, o qual, amplamente entendido, abarca o próprio e característico de um povo, um país, uma raça ou etnia, que se classifica de acordo a diferentes escalas de valor, dando-se com freqüência a circunstancia, seja por ignorância, desconhecimento ou menosprezo, que se recuse ou negue algo que forma parte essencial do patrimônio.
De acordo com Brito (2001, p. 01 ) o Fado se “[…] constitui patrimônio de Portugal cuja origem se encontra nas camadas sociais inferiores, se bem a apropriação por parte da burguesia nas camadas sociais inferiores, se bem a apropriação por parte da burguesia e a intelectualidade tenha excluído aspectos e agregado outros.” Destes aspectos mudados pela apropriação burguesa que Brito cita que acontece o nascimento do fado profissional das Casas de Fado que se destinam quase em exclusividade aos estrangeiro.
O fado segundo Brito (2001, p.2) foi julgado como musica de “[…] Mouros ( um apelativo que os portugueses do norte do pais dão aos habitantes das zonas para baixo do rio Douro)”. O fado de acordo com Brito (2001, p.2) nasce de um povo pisoteado, castigado e menosprezado, sendo que os compositores, geralmente anônimos, marcaram os poemas com uma arte em sentimento.
Após esta contextualização, este artigo se atentará na presença do Fado na obra de Manuel Antonio de Almeida. O fado que surge no Brasil e é transportado para as terras lusitanas, se constitui um ritmo popular na metrópole porem é esquecida na colônia, seu berço constituindo assim um paradoxo.
De acordo com Amora (1966, p. 230) Manuel Antonio de Almeida nasceu no Rio de janeiro, a qual recebeu a família real no século XIX, filho de portugueses, se dedicou ao jornalismo após desistir da carreira de médico, escrevia folhetins para o Jornal Correio Mercantil, onde na anonimidade escreveu o folhetim mais famoso Memórias de um Sargento de Milicias. Memórias foi um reconto das memórias de um idoso companheiro[3] de redação de Almeida. A história se dá num Rio de Janeiro Colonial, um Rio de Janiro do tempo de D. João VI. Ela se desenvolve em cenários urbanos, onde um personagem chamado Leonardo, personagem que se configura como um arquétipo da malandragem carioca, passará por diversos conflitos por culpa de suas proezas. Como afirma Schindler (2004, p.164) “ […] o romance dá muita atenção às festas, aos encontros, às intituições e às profissões populares da cidade, ruas são descritas com a animação de uma verdadeira narrativa de costumes”, e é justamente nesta narrativa de costumes que residirá o objeto de abordagem deste artigo, O fado.
O fado retratado em Memórias tem uma representação agitada já que além de ser cantado é dançado em roda, conotando uma possivel alegria nos personagens que dançam. Almeida descreve desta maneira a figuração do Fado na obra:
O fado tem diversas formas, cada qual mais original. Ora uma só pessoa, homem ou mulher, dança no meio da casa por algum tempo, fazendo passos os mais dificultosos, tomando as mais airosas posições, acompanhando tudo isso com estalos que dá com os dedos, e vai depois pouco a pouco aproximando-se de qualquer que lhe agrada; faz-lhe diante algumas negaças e viravoltas, e finalmente, bate palmas, o que quer dizer que, a escolheu para substituir o seu lugar. Assim corre a roda toda até que todos tenham dançado.[ALMEIDA, 1990, p.35]
Essa descrição soa tão distinta do Fado atual, um fado cantado expressando dor profunda, um culto a esta dor. Mas vejamos mais sobre esse fado de Memórias antes de relacionar essas configurações do fado. O narrador de Memórias é um narrado onisciente intruso, vejamos como D’Onofrio (1999, p.60) define este narrador como “[…] dotado do poder da onipresença: ele sabe o que se passa no céu e na terra, no presente e no passado, no intimo da cada personagem […] o narrador se coloca atrás e acima das personagens, sabendo mais do que elas pelo simples motivo de que sabe tudo.” Porém esse narrador, de acordo com D’Onofrio (1999, p.60) tem mais uma característica e é justamente essa que faz o Fado se configura na obra em aspectos negativos ou positivos, esse é um narrador que “[…] volta e meia interrompe a narração dos fatos ou a descrição de personagens e ambientes para tecer considerações e emitir julgamentos de valor.”
Voltando a Memórias vamos refletir este conceito de narrador neste trecho onde o narrador vai descrever o Fado em poucas palavras. “Todos sabem o que é fado, essa dança tão voluptuosa, tão variada, que parece filha do mais apurado estudo da arte. Uma simples viola serve melhor do que instrumento algum para o efeito.”[ALMEIDA, 1990, p.35]
Buscando a definição de volúpia, e ela é descrita como “grande prazer de sentidos, sobre tudo o prazer sexual ”[FERREIRA,p.716]. Com esta definição podemos supor que o fado era uma dança divertimento e que a simplicidade para faze-la era resumida a uma simples viola. Mario de Andrade na sua critica literária a Memórias lembra o quanto preciosa é esta descrição para a constituição histórica deste ritmo.
Não sei como me escapou documentação tão preciosa, quando escrevi meu estudo sobre As Origens do Fado. Neste trabalho, sem nenhuma satisfação, aliás, eu reivindicava para o Brasil ter dado nascimento a essa dansa cantada, portuguesa por excelência […] Eis que Manuel Natônio de Almeida vem nos garantir com a nitidez de um verdadeiro folclorista de hoje, que nos últimos tempos coloniais o desafio era dos costumes dos portugueses e o fato privativo de brsileiros. [ANDRADE, 1995, p.130]
Considerando as palavras de Brito (2001, p.03) que salienta que “[…] cada povo reaciona de acordo a sua idiosincrasia e a suas circunstancias que se modificam de pais em pais e incluso de região para região e suas diferenças se relaxam necessariamente na música.” Pode-se afirmar que o fado chegou a terra lusitana é foi incluso em outro contexto, já que contrario ao fado brasileiro do século XIX onde se reacionava com volúpia, o fado português de acordo com Brito (2001, p. 4) “[…] pede silencio absoluto, penumbra misteriosa e uma certa dose de tristeza”, logo após Brito justifica sua descrição “[…] talvez resida no fato de ser o povo português o mais alegremente desesperado de todos os povos, que o Fado se torne uma nostalgica liturgia de tons alegres e tinos trágicos.” Brito (2001, p.04) agrega a caracteristica da urbanicidade a razão da melancolia do Fado, “[…] Fado é destino q por isso suas letras falam de dor, de perguntas sem respostas, de desejos insaciáveis, pois sendo lamentos tão urbanos como seu comtemporaneo o Blues, nele se encontram todos os lamentos.” Zumthor[4] (1983, p.104)liga essa característica da melancolia portuguesa a questão histórica que se encontrava Lisboa, uma cidade que no século XIX estava ainda em ruínas, os viajantes estrangeiros falavam da sujeira, dos animais em livres nas ruas, a fraca vigilância e da circulação difícil. Com a chegada do Fado Zumthor (1983, p.104) também afirma que o fado existente no Brèsil provem de origem africana, sendo um canto rural trazido a cidade “ […] toutefois, nous n’allons pás aborder la question dês origines d’um tel phénomène où se mêlent, entre autres, dês influences de rythmes et de formes musicales africaines entendues et fixées au Brésil.”
Quando o narrador de memórias descreve este ritmo como volupio, logo se pode ver uma relação quando se foca na imagem do fado em Portugal que segundo Zumthor [5](idem, p.105) era cantando por uma mulher, geralmente um prostituta. É nesse contexto, de acordo com Zumthor, que o Fado é identificado na velha Lisboa, cantado por uma mulher que canta e toca a guitarra, através dela se vê outros personagens que, como ela, tem tocado e cantado o fado nas ruas sombrias dos velhos bairros da cidade, na primeira metade pertubada do século XIX.Assim não estava tão longe o Rio de Janeiro da época colonial, porém não se encontrava em um momento tão melancólico, de tristeza e pobreza com a Lisboa do século XIX.
Diferente do retrato melancólico português, o fado no Brasil era agitado, em Memórias ele é retratado como uma dança de “[…] roda em que dançam muitas pessoas, interrompendo certos compassos com palmas e com um sapateado às vezes estrondoso e prolongado, às vezes mais brando e mais breve, porém sempre igual e a um só tempo.”
Há uma transformação deste ritmo, desde as terras da colônia ao outro lado do oceano, porem este artigo aqui se ocupou somente de apresentar essa face do fado enquanto terra brasileira e intertextualizá-lo com que se encontra nas terras lusitanas desde o século XIX.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ALMEIDA, Antonio Manuel de. Memórias de um sargento de Milicias. São Paulo: Saraiva, 1990
AMORA, Antônio Soares. O Romantismo: Literatura brasileira. VII. São Paulo: Cultrix, 1966.
ANDRADE. Mario de. Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Martins. 6ºed. 1995
BRITO, Joaquim Pais. O fado: etinografia na cidade. Lisboa: Persée. 2001
ZUMTHOR, Paul. Introduction à la poésie orale. Paris: Seul. 1983.
D’ONOFRIO. Salvatore. Teoria do texto 1. São Paulo: Ática. 1999.
SCHINDLER, Suzana. Memorias de um sargento de milícias: Para entender.São Paulo: Saraiva, 1990
[1] Academico do curso de Licenciatura em Letras e Linguistica da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) – Campus Sinop, Técnico em Secretariado pela Escola Técnica Estadual de Sinop – Estado de Mato Grosso.
[2] FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda, 1910-1989
Miniaurelio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa/ Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira; lexicografia, Margarida dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Frontira, 2001.
[3] “ Português de nascimento, chamava-se Antônio Cesar Ramos e viera com soldado para a guerra da cisplatina, em 1817, no regimento de Bragança. Depois chegara a sargento de milícias, ainda na Colônia, sob o mando do major Vidigal. Dando baixa, se passara para o emprego nos jornais. Conhecera e prezava muito o Maneco Almeida, o qual, antes de subir para a redação, procurava o ex-sargento, puxava-lhe da língua, armazenava casos e costumes do bom tempo antigo, pra passá-los nos seus folhetins.” [ANDRADE, 1995, p.129]
[4]“ Au début Du XIX siècle Lisbonne est encore, partiellement, em ruines, après um demi-siècle de reconstruction à la suíte tremblement de terre de 1755 qui a détruit une grande partie Du tissu urbain. Les voyageurs étrangers et d’autres observateurs palent de la Salete, dês animaux em liberte dans les rues, de la faible surveillance, de la circulation difficile.” [ZUMTHOR, 1983, p. 104]
[5] “C’est dans ce contexte que Le fado fut, tout d’abord, identifié dans la ville de Lisbonne, em la persone d’une femme que reunit les ocnditions pour se projeter comme mythe fondateur: une prostituée.